quinta-feira, 5 de maio de 2011








NA GIRA DE CRISTO OU NA GLÓRIA DE EXU?

Uma abordagem epistemológica do sincretismo religioso Afro-Cristão na capoeira.




“Santa Barbara do relampuê ou Santa Barbara do relampuá?...”

“Maior é Deus, pequeno sou eu”, disse o magnifico Mestre Pastinha.

     


                            Salve, salve, camaradas, amigos meus! Ou talvez seria melhor dizer: Axé! Aleluia! Oh Glória, Salve Deus! Paz do Senhor! Saravá meu Pai ou ainda a Paz de Cristo Rei?Como se dará, nesta nossa pós-modernidade as futuras saudações nas rodas de capoeira e como se apresentará, nestas mesmas rodas, os conflitos de âmbito religioso?

A capoeira tem tido um papel muito importante e singular no mundo contemporâneo. Apresentá-se como uma manifestação cultural, artística, esportiva, de beleza cabal. Arte que se encontra em mais de 150 países e vem sendo, reconchecidamente, como uma das maiores divulgadoras da Língua Portuguesa. Esta é a prova de que o que o mar leva o mar devolve.

Na travessia do Atlântico - sec. XVI - , um povo inteiro foi, forçadamente, levado à uma grande diáspora. Na chegada aos destinos que lhe foram impostos, saíram dos porões dos navios, espremidos, amargurados, de viagens que pareciam não ter fim; milhares, milhões de homens, mulheres e crianças, suportando calor, fome, sujeiras, doenças, ratos, antropofagia, preconceitos, humilhações e a morte. Muitos ficaram jogados pelo meio do caminho, no próprio oceano atlântico..
O povo negro lutou muito e a Capoeira é, por excelência, a luta de resistência, de liberdade e nasce do suor, sangue, das matrizes do povo africano nas senzalas, nas matas e quilombos.

Nesta grande diáspora, os africanos são retirados da sua terra mãe e deportados para novas terras, com novos costumes, crenças, simbologias, novos nomes, modos, novo ritualismo religioso imposto pelos poderes escavrocatas e a religião oficial desses lugares. A partir dessa situação, vemos um amálgama da religião africana, não sem grandes tensões, com a religião oficial, em especial com a liturgia católica romana. Deparamo-nos então, com a religião, costumes, danças rituais e o misticismo africano misturando-se ‘confusamente’ com a religião cristã. Começava historicamente o sincretismo afro-católico no Brasil. Tudo isto concorrendo para plasmar esse caldeirão de religiosidade popular existente até hoje.

O universo das religiões afro-brasileiras que hoje deparamos por estas terras é de uma diversidade riquissima, visto que expressam diferentes grupos étnicos que vieram dar origem a uma costelação variadíssima de denominações religiosas: camdomblé, nagô, tambor de mina, pagelansas, pretos velhos, umbanda, kibanda, espiritismo afro e outros.

          Na trajetoria de manifestação da capoeira não poderia ser diferente. A capoeira é uma arte-luta, que traz em si muita simbologia, faz referência a um ritualismo, mística e sincretismo religioso popular que foi influenciado pelos processos históricos dos seus primeiros líderes guerreiros, guardiões destas manifestações. Muitos mestres antigos trouxeram dos seus ilês, terreiros, casa de santo, suas religiosidade, suas crenças, sua fé, sua espiritualidade, pois muitos eram líderes espirituais (babalaôs, pegigans, axoguns, alabês, ogans e outros). Porém, suas práticas e liturgias religiosas se davam sempre em seus ilès (casa religiosa) e nunca na roda de capoeira. Prezavam por esta partição, tendo em vista o respeito pelas particularidades de ambas atividades humanas.

             Aludindo a este contexto dos antigos mestres e a deferência que eles mantiveram por sua religiosidade e sua arte – comportamento que denotava o conhecimento e consideração por estas manifestações – é que se diz que a capoeira não pode ser passada, ensinada e experimentada com uma configuração religiosa, dogmática, com comportamentos de alumbramento e louvor, longe disso. Nem deve ser insentivada nela a busca por uma certa e duvidosa epifania.

           Esta arte-cultural genuinamente afro-brasileira, é para a vida, é terapia, esporte, luta e lazer visando ao bem estar de todo e qualquer indivíduo que se proponha a praticá-la.

Atualmente o mundo sofre uma manifestação de muitas seitas religiosas e nesta ambiência não são poucos os que vem a criar modelos, formas e paradigmas no intento de dar respostas às suas ansias, dúvidas, vazios e conflitos pessoais e/ou coletivos. Necessário se faz ‘não confundir alhos com bucalhos’ e como bem diz um mestre de capoeira ‘roupa de homem não dá em menino’. Embora o que não pode acontecer é deixar-se a arte-luta da capoeira a deriva, sem rumo, levada por alguns ‘mestres’ ou religiões a procura de uma tábua de salvação.

         
         Os tambores da capoeira tocam e azuelam por nossas ancestralidades; os berimbaus tocam para os nossos lamentos, histórias e alegrias da vida; ambos instrumentos culturais não são para louvar, evangelizar, cultuar espíritos, ou mesmo divinizar mestres nas rodas de capoeira. Estas rodas não precisam de exegeses bíblicas, hermenêuticas e escatologias ou mesmo uma teologia do medo. Vamos afastar este calíce.
            A capoeira é cultura popular, manifestação de um povo em ânsia de liberdade. O Mestre Manoel dos Reis Machado (Bimba), foi o primeiro a ter a preocupação de separar o profano do sagrado nas rodas. O mesmo salientou que não podemos misturar e confundir. A religião é uma coisa séria e a capoeira é uma manifestação cultural de todo um povo; ambas tem quer ser respeitadas em seus respectivos ambientes. Os mestres de capoeira tem que observar que o profano não deve se misturar com o sagrado. A que haver cuidado diante de uma possível antromorfização, estados de extase e cultos religiosos na roda de capoeira. Não é admiravel “mestres” de capoeira ou líderes dessa arte quererem ‘cilícios’ em seus alunos, terços no pescoço ou farinha para Exu antes de um roda no domingo no parque, na praça ou na academia?

        A capoeira é livre.
    O Batismo do espírito santo, louvor a Jesus de Nazaré ou ritual aos Orixás tem que ser respeitados e tem seus devidos lugares para isso (templos, terreiros e casas de culto, igrejas). Devemos fomentar, cultivar, preservar, respeitar a tradição e os fundamentos da capoeira e suas línguagens corporais e simbólicas. Manifestações religiosas de varios tipos, dentro da roda, podem apresentar-se como algo perigoso, grosseiro e complexo, para a geração de hoje e futura. Quando este amálgama - liturgias, magias, louvores, místicas, cultos, delírios e influências espirituais ou psiquicas - se apresenta como verdade absoluta dentro da roda de capoeira, estamos diante de um problema coletivo e quem sai perdendo é a capoeira.

       A arte-luta da capoeira não pode ficar presa a doutrinas ou neroses obssessivas compulsivas de alguns líderes de capoeira e entidades grupais. Em suma, capoeira não é religião.

            O mestre Bimba foi muito firme neste sentido, pois queria ver a capoeira no mundo e por isso ele diria: ‘irei tirar a capoeira de debaixo do pé do boi, da lama.
 Mesmo tendo mestres contemporâneos jogando literalmente a capoeira na lama.

              Diante desta hieraquização doentia e fanática de alguns líderes de capoeira, é necessário um despertar deste mundo de ilusões. A capoeira não precisa de líderes religiosos para se manifestar, mas, nunca com antes, de mestres humildes; não precisa de gurus, mas sim de mestres horizontais e não verticais. A capoeira não precisa de ‘mestre dos magos’, com seus placebos, panacéias e verborragias, mas sim de mestres amigos e irmãos, educadores para a vida.
                                                                                                                   



  Pois meus camaradinhas:
                                                  

“Aquele que está no claro não sabe quem está no escuro”

                                                          “Pois quem é de verdade conhece quem é de mentira”


                               Capoeira boa se sustenta. Por isso mestre Bimba e mestre Pastinha permanecem até hoje.
                                                                                                                                                                                    (M.BEIJAFLOR)

Vá na paz!

MESTRE  BEIJA FLOR:Professor: Eraldo Gabriel.( Mestre de Capoeira,Filósofo.Teologo(UFC/ICRE)
                                                                     Pós Graduado em Educação Inclusiva(UECE)
                                                                     Epecialista em Ciência da Religião-ICRE-fortaleza-CE
                                                                     Especialista em Capoeira Inclusiva(SBCI) e Educação
                                                                     Infantil.Presidente da Sociedade Brasileira de Capoeira Inclusiva.

mestrebeijaflor@hotmail.com


Ilha de Itamaracá-PE, Brasil.

Inverno de 2011.



Bibliografias:


Capoeira Identidade e Gênero
   Autor: Oliveira, Josivaldo Pires de
   Editora: Edufba


A Capoeira em Salvador nas Fotos de Pierre Verger
   Autor: Lühning, Angela; Pamfilio, Ricardi
   Editora: Fundação Pierre Verger

Capoeira - Galo Ja Cantou   Autor: Capoeira, Nestor
   Editora: Record

Capoeira Regional - A Escola de Mestre Bimba   Autor: Helio Campos (mestre Xaréu)
   Editora: Edufba

* A herança de Mestre Bimba -M.Decanio.

*"Capoeira Angola", de mestre Pastinha

*Fundação Cultural do Estado da Bahia 1988 -

*Capoeira: Um Instrumento Psicomotor para a Cidadania - Editora Phorte


*Corpo de Mandinga, de Muniz Sodré
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