sábado, 23 de outubro de 2010

Topedera Piauí
Coraçado in Bahia
Marinheiro absoluto
Chego pintando arrelia
Quando vê cobra assanhada
Não mete o pé na rodia
Se a cobra assanhada morde
Que fosse a cobra eu mordia
Mataro Pedro Minero
Dentro da Secretaria1
   As rodas de capoeira realizadas em diferentes espaços da cidade de
Salvador ainda preservam as tradições dos conflitos de rua dos capoeiras
da Bahia dos primórdios do século XX. As vidas de Pedro Mineiro,
Samuel da Calçada e Besouro Mangangá podem ser entrevistas através
das cantigas que ainda hoje acompanham e dão o ritmo a cada jogo, tal
como a ladainha, acima citada, que se refere a um episódio da vida de
Pedro Mineiro. Quem era este capoeira e que história era essa? Lenda?
Mito? Fantasia? Não. No dia 28 de dezembro de 1914, um homem chamado
Pedro Mineiro sofreu um atentado dentro da Secretaria de Segurança
Pública do Estado da Bahia.
        Aparentemente, tudo começou semanas antes do episódio ocorrido
na Secretaria. Desde o início de dezembro a rua do Saldanha andava em pé
de guerra por causa de um grande tiroteio promovido por marinheiros (que
estavam “em promiscuidade” com “mulheres de vida fácil”) e outros “indivíduos
afeitos à desordem”. Na ocasião, várias prostitutas foram presas
acusadas de terem sido o “móvel” da confusão, e os marujos indignados
foram até a casa do capitão Cyrillo para agredi-lo e exigir que ele colocasse
as mulheres em liberdade.2 Este fato causou um clima de grande tensão,
que, tudo indica, foi aumentando com o passar do tempo.
No dia 26 de dezembro, um outro conflito a bala explodiu entre
capoeiras e um grupo de marinheiros do torpedeiro Piauhy, chegado do
Rio de Janeiro há três meses. O palco da desordem foi o botequim do
Galinho, onde os marinheiros jantavam quando foram atacados pelos
capoeiras Pedro Mineiro, Sebastião de Souza, e por um indivíduo chamado
Antônio José Freire, também conhecido por Branco. O tiroteio
durou cerca de 15 minutos, provocando grande alvoroço e muita correria.
Todos os botequins, lojas, armazéns e residências da região fecharam
portas e janelas, ficando em campo apenas os contendores, armados
de faca e pistola. Na luta, dois marinheiros foram mortos: José Domingos
dos Santos, que trazia consigo uma faca, e Francisco Hollanda
Wanderley, cujo espólio nada tinha de valor.3 Os demais marinheiros
Feridos, conseguiram escapar e voltar ao navio. Pedro Mineiro, Sebastião
e Branco tentaram fugir pelas ruas da Sé, mas foram presos por guardas
civis e pessoas do povo, conduzidos ao posto policial mais próximo e de
lá transferidos para a Secretaria de Segurança Pública.
        As razões desse conflito, logo designado de “o crime do Saldanha”,
são um pouco confusas. A versão mais difundida é que ele foi conseqüência
de uma briga entre Pedro Mineiro e um dos marujos envolvidos,
ocorrida na noite anterior, por ciúmes de uma prostituta. Mestre Noronha
narra, por exemplo, que o conflito do “botequinho de propriedade de
Galinho no Largo da Sé” ocorreu porque a amante de Pedro Mineiro, a
garçonete Maria José, aceitara o convite de um dos marujos que “pegou
a gostar dela [...] foi quando Pedro Mineiro matou um marinheiro e jogou
o outro pela janela do 1o andar [...]”.4 No entanto, as declarações do
sargento do posto policial da Sé, Marinho Vaz Sampaio, trazem novos
elementos para a compreensão do fato.
          Segundo contou, dias antes, na rua das Campelas, ele fora atacado
a tiros por um dos marinheiros envolvidos na refrega, que, aliás, já o
tinha ameaçado desde a véspera por ter prendido uma meretriz. Nessa
ocasião, Pedro Mineiro e Sebastião vieram em seu auxílio e foram agredidos
por vários marinheiros, tendo existido, portanto, uma contenda
anterior entre os dois grupos. Talvez ao invadirem o botequim do Galinho,
os capoeiras pretendessem se vingar dos marujos, por vontade própria
ou a mando do sargento, que acabou também sendo preso e acusado de
ter sido o responsável pelo assassinato dos marinheiros.
          O inquérito sobre “o crime do Saldanha” ocorreu na Secretaria de
Segurança Pública. No dia dos depoimentos formou-se uma grande multidão
em frente ao prédio. Pedro Mineiro foi um dos primeiros a ser
interrogado. Segundo a imprensa, “ perguntado qual a sua profissão,
declara ser empregado da polícia e que exercia suas funções por toda a
cidade; perguntado em que caráter, diz que de subdelegado da polícia e
que não dizia como delegado, porque respondia ao dr. Delegado, pois se
respondesse ao chefe, dizia como delegado, por lhe ser inferior; perguntado
por ordem de quem se arvorava em autoridade disse que por ordem
do chefe e do delegado”.6
          Sobre o crime em si respondeu com evasivas, afirmando ser “secreta
da polícia e que, estando em casa a tomar café em companhia de
Sebastião e Branco, ouvira grande alarido na rua, pelo que saiu, sendo
agredido por marinheiros, procurando se defender com uma faca, nada
sabendo dizer sobre a morte dos marinheiros”.7 A este depoimento se
seguiu o dos dois outros réus, Sebastião e Branco, que também se declararam
“secretas da polícia”, passando-se então ao auto de perguntas às
vítimas. Foi aí que aconteceu o inesperado, um dos marinheiros do Piauhy,
sentindo-se insultado, atirou contra Pedro Mineiro, dentro da chefatura
de polícia e diante das autoridades. Assim, de acusado, Pedro Mineiro
passou também a vítima, pois foi gravemente atingido no ombro, na
perna e na região lombar.
           Durante dias, o “crime do Saldanha” e o atentado a Pedro Mineiro
foram manchete de primeira página, especialmente no jornal A Tarde. E
como toda a imprensa se interessou pelo assunto, a troca de correspondência
entre o Chefe de Polícia e o Comandante do Piauhy acabou sendo
divulgada. Na primeira carta, Álvaro Cova, manifestando sua estranheza
diante do fato de marujos requisitados a prestarem depoimento como “informantes
e testemunhas de um processo” se “apresentarem armados em
condições de praticarem tão vergonhosa selvageria”, declarou que o atentado
feito a Pedro Mineiro dentro “edifício sede da alta administração
policial do Estado” significava uma afronta, uma espécie de vingança dos
marinheiros à própria corporação da polícia. Em resposta, o Capitão Carlos
explicou que nenhum marinheiro tinha autorização para descer em terra
armado, e que condenava formalmente tal atentado.
           Cabe dizer, todavia, que o estado de saúde de Pedro Mineiro piorava
a cada dia depois do atentado. E, segundo a matéria publicada pelo
jornal A Tarde de 14 de janeiro de 1915, Mineiro, certo de sua morte,
pediu a sua companheira Graciliana Maria da Conceição que lhe trouxesse
uma roupa preta e uma navalha que deixara em sua mala, pois
pretendia poupar seu sofrimento se suicidando. No entanto no momento
em que levava a navalha até o pescoço, um dos policiais o impediu de se
matar.11 No dia seguinte Pedro José Vieira veio a falecer no hospital
Santa Izabel, em virtude dos ferimentos. De acordo com o Diário de
Notícias, o morto respondera a Júri quatro vezes e fora preso em uma
centena de ocasiões. Antes de morrer confessou que “os autores da morte
dos marinheiros do Piauhy eram Sebastião de Souza e Conrado José
dos Santos, mas que ele também tomara parte no conflito, espancando
outros marinheiros do destróier”. Tinha 27 anos de idade e foi enterrado
no cemitério da Quinta dos Lázaros.12



                                                                                                                                       fonte; Adriana Albert Dias**

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